sábado, 4 de agosto de 2007

KASPAROV: O DIA EM QUE BAUDRILLARD FOI MORIN (PARTE I)


escrito no primeiro semestre de 2000

INTRODUÇÃO

(indução para o leitor gostar deste texto)


Trabalhos não deveriam ter introdução. O autor deveria, ao invés de dar explicações, entregar uma caixa de fósforos ao leitor. Este poderia acender um cigarro, tocar um “sambinha” e ao final da leitura colocar fogo no texto. Caso aprovasse o que leu... Bom, estamos no ano dois mil e fósforos ainda têm utilidade... Todo o texto deve se explicar por si e a introdução deveria ficar sem razão. Mas tudo bem. O homem vive de inseguranças e de incertezas. E é disto que este trabalho vai falar. Este ensaio se propõe a mostrar que inseguranças e incertezas são o melhor do homem. É a capacidade do improviso, de dizer que vai dobrar a esquerda e no último milésimo de segundo virar a direita, de dar um beijo ou uma facada. A idéia deste ensaio partiu da leitura de um artigo de Jean Baudrillard. Em Deep Blue e a melancolia do computador[1], o filósofo francês mostra porque depois de uma derrota, o enxadrista russo Garry Kasparov consegue vencer o supercomputador. Este trabalho resume-se a isto: mostrar que falhar é uma qualidade do ser humano. Talvez a única que torne possível derrotar a máquina. Este ensaio é um grito: sim, somos superiores as máquinas!

Para desenvolver este tema recorri a autores estudados na disciplina de Sociologia da Comunicação, ministrada pelo professor Juremir Machado da Silva no primeiro semestre de dois mil , no curso de mestrado em Comunicação Social da PUC-RS. Contudo, ao longo do texto vão aparecer outros nomes. Estão lá Baudrillard e Morin. Mas também aparece David Bowie. Este trabalho é dividido em “pequenas histórias”, nas quais tento ilustrar o que me leva a afirmar que o homem é superior ao computador. Por fim, gostaria de reforçar que o que você passa a ler agora não é paper, artigo, trabalho científico. É ensaio, ou melhor, tubo de ensaio. Experiências. O tubo é o papel, o suporte. O ensaio é o texto. E o texto é a vida lá fora (como gostaria de estar digitando no sol!).


KASPAROV E A ALEGRIA DO HOMEM

(um pouco sobre Baudrillard, Kasparov e Deep Blue)

Escuto o latido de um cachorro enquanto trabalho. E isso me deixa feliz. Meu computador permanece o mesmo. Insensível.

Jean Baudrillard é o homem do simulacro. É o filósofo que fez de si mesmo representação. Ele é o que não é. Uma leitura rápida dos artigos/ensaios de Baudrillard nos leva a classificá-lo como amargo, mau humorado, ressentido com a humanidade. Os títulos de seus textos parecem nos conduzir para esta avaliação: Após a orgia, Espelho do terrorismo, Necrospectiva, O inferno do mesmo, O melodrama da diferença, A hospitalidade viral[2], O continente negro da infância, A dupla exterminação, A sexualidade como doença transmissível, Ruminações para encéfalos esponjosos[3] . Mas o que Baudrillard quer? Ele nos propõe uma leitura irônica do nosso tempo. Baudrillard não quer só humanitarismo. Para ele, é preciso transformação.

Afirmei que Baudrillard é o que não é. Agora explico. Por trás de todo o peso que seus textos carregam existe um filósofo que acima de tudo ama o homem. Mais uma representação, um simulacro? Talvez. Pela beleza de Deep Blue e a melancolia do computador parece que não. Incerteza (viva Morin!).

O filósofo abre seu ensaio destacando que o confronto entre um ser humano e um artefato “inteligente” é altamente simbólico. De acordo com o autor, isto ocorre porque sintetiza o dilema do ser humano frente às máquinas contemporâneas que utiliza. Para ele, não há interatividade e sim um jogo de rivalidade e de dominação. Baudrillard destaca que o homem insiste em se manter mestre de suas criaturas. De acordo com o filósofo, o homem leva vantagem ainda, pois “para estar à altura do homem, a máquina precisaria tê-lo inventado” (Baudrillard, 1999, p. 138).

Para Baudrillard, a vitória do enxadrista russo[4] sobre o supercomputador, depois de uma derrota, está clara:

“...se venceu é porque (metaforicamente) consegue falar várias línguas – a do afeto, da intuição, do estratagema, do jogo rápido, sem contar a do cálculo – enquanto Deep Blue só fala a do cálculo. No dia em que esta prevalecer, seja como for, Kasparov será batido; o dia em que o próprio homem só falará essa única e exclusiva língua, a dos computadores” (Baudrillard, 1999, p.135).

Parece óbvio, mas é como afirmar que o homem venceu porque é homem. A vitória é do ser humano porque ele não passa de um ser humano. Kasparov venceu Deep Blue porque falhou, por não ser lógico, pelo inesperado. Este é o ponto de partida para as próximas discussões.



[1] Ensaio/artigo do livro Tela Total (ver bibliografia).

[2] Textos do livro A Transparência do Mal (ver bibliografia).

[3] Textos do livro Tela Total (ver bibliografia).

[4] Em maio de 1997, em cinco partidas, Kasparov ganhou uma, empatou duas e perdeu mais duas. Em 1996, contra uma versão mais antiga do Deep Blue, o enxadrista russo ganhou uma série de cinco partidas, perdendo apenas o primeiro jogo – sua primeira derrota para um computador.

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