quarta-feira, 19 de dezembro de 2007
quarta-feira, 3 de outubro de 2007
terça-feira, 7 de agosto de 2007
sábado, 4 de agosto de 2007
KASPAROV: O DIA EM QUE BAUDRILLARD FOI MORIN (PARTE I)
INTRODUÇÃO
(indução para o leitor gostar deste texto)
Trabalhos não deveriam ter introdução. O autor deveria, ao invés de dar explicações, entregar uma caixa de fósforos ao leitor. Este poderia acender um cigarro, tocar um “sambinha” e ao final da leitura colocar fogo no texto. Caso aprovasse o que leu... Bom, estamos no ano dois mil e fósforos ainda têm utilidade... Todo o texto deve se explicar por si e a introdução deveria ficar sem razão. Mas tudo bem. O homem vive de inseguranças e de incertezas. E é disto que este trabalho vai falar. Este ensaio se propõe a mostrar que inseguranças e incertezas são o melhor do homem. É a capacidade do improviso, de dizer que vai dobrar a esquerda e no último milésimo de segundo virar a direita, de dar um beijo ou uma facada. A idéia deste ensaio partiu da leitura de um artigo de Jean Baudrillard. Em Deep Blue e a melancolia do computador[1], o filósofo francês mostra porque depois de uma derrota, o enxadrista russo Garry Kasparov consegue vencer o supercomputador. Este trabalho resume-se a isto: mostrar que falhar é uma qualidade do ser humano. Talvez a única que torne possível derrotar a máquina. Este ensaio é um grito: sim, somos superiores as máquinas!
Para desenvolver este tema recorri a autores estudados na disciplina de Sociologia da Comunicação, ministrada pelo professor Juremir Machado da Silva no primeiro semestre de dois mil , no curso de mestrado em Comunicação Social da PUC-RS. Contudo, ao longo do texto vão aparecer outros nomes. Estão lá Baudrillard e Morin. Mas também aparece David Bowie. Este trabalho é dividido em “pequenas histórias”, nas quais tento ilustrar o que me leva a afirmar que o homem é superior ao computador. Por fim, gostaria de reforçar que o que você passa a ler agora não é paper, artigo, trabalho científico. É ensaio, ou melhor, tubo de ensaio. Experiências. O tubo é o papel, o suporte. O ensaio é o texto. E o texto é a vida lá fora (como gostaria de estar digitando no sol!).
(um pouco sobre Baudrillard, Kasparov e Deep Blue)
Jean Baudrillard é o homem do simulacro. É o filósofo que fez de si mesmo representação. Ele é o que não é. Uma leitura rápida dos artigos/ensaios de Baudrillard nos leva a classificá-lo como amargo, mau humorado, ressentido com a humanidade. Os títulos de seus textos parecem nos conduzir para esta avaliação: Após a orgia, Espelho do terrorismo, Necrospectiva, O inferno do mesmo, O melodrama da diferença, A hospitalidade viral[2], O continente negro da infância, A dupla exterminação, A sexualidade como doença transmissível, Ruminações para encéfalos esponjosos[3] . Mas o que Baudrillard quer? Ele nos propõe uma leitura irônica do nosso tempo. Baudrillard não quer só humanitarismo. Para ele, é preciso transformação.
Afirmei que Baudrillard é o que não é. Agora explico. Por trás de todo o peso que seus textos carregam existe um filósofo que acima de tudo ama o homem. Mais uma representação, um simulacro? Talvez. Pela beleza de Deep Blue e a melancolia do computador parece que não. Incerteza (viva Morin!).
O filósofo abre seu ensaio destacando que o confronto entre um ser humano e um artefato “inteligente” é altamente simbólico. De acordo com o autor, isto ocorre porque sintetiza o dilema do ser humano frente às máquinas contemporâneas que utiliza. Para ele, não há interatividade e sim um jogo de rivalidade e de dominação. Baudrillard destaca que o homem insiste em se manter mestre de suas criaturas. De acordo com o filósofo, o homem leva vantagem ainda, pois “para estar à altura do homem, a máquina precisaria tê-lo inventado” (Baudrillard, 1999, p. 138).
Para Baudrillard, a vitória do enxadrista russo[4] sobre o supercomputador, depois de uma derrota, está clara:
“...se venceu é porque (metaforicamente) consegue falar várias línguas – a do afeto, da intuição, do estratagema, do jogo rápido, sem contar a do cálculo – enquanto Deep Blue só fala a do cálculo. No dia em que esta prevalecer, seja como for, Kasparov será batido; o dia em que o próprio homem só falará essa única e exclusiva língua, a dos computadores” (Baudrillard, 1999, p.135).
Parece óbvio, mas é como afirmar que o homem venceu porque é homem. A vitória é do ser humano porque ele não passa de um ser humano. Kasparov venceu Deep Blue porque falhou, por não ser lógico, pelo inesperado. Este é o ponto de partida para as próximas discussões.
[1] Ensaio/artigo do livro Tela Total (ver bibliografia).
[2] Textos do livro A Transparência do Mal (ver bibliografia).
[3] Textos do livro Tela Total (ver bibliografia).
[4] Em maio de 1997, em cinco partidas, Kasparov ganhou uma, empatou duas e perdeu mais duas. Em 1996, contra uma versão mais antiga do Deep Blue, o enxadrista russo ganhou uma série de cinco partidas, perdendo apenas o primeiro jogo – sua primeira derrota para um computador.
sexta-feira, 3 de agosto de 2007
MORIN E A CAIXA DE FÓSFOROS (OU "O FILÓSOFO, O IDIOTA E A CAIXA")

Podemos agora entrar no segundo parágrafo do a-artigo. Li Morin aos trinta anos. Foi melhor assim. Antes não estava preparado para entender que o conhecimento move-se pela incerteza e pela dúvida. Em um mundo tão complicado, bastava saber que o conhecimento carregava em si a salvação. Se minha fé é pequena, em que acreditaria senão na ciência? Então, Morin chega e anuncia que o conhecimento é indigente, pobre, fragmentário, desarticulado, limitado e limitador. E ainda tem a coragem de afirmar que não se tem resposta para tudo e que é preciso romper com o modo linear de ver o mundo. Depois de três décadas de existência, um filósofo francês aparece e diz que sou um idiota, preso a uma forma "velha" de entender as coisas. Simplesmente calo. Não reajo. Surge a imagem da caixa de fósforos.
No dia após minha grande descoberta, acordo da mesma forma: seis e meia-despertador-alarme. Escovo os dentes da mesma forma, visto a roupa da mesma forma, tomo o café da mesma forma, abro a porta da mesma forma, dirijo o carro da mesma forma e da mesma forma passo o dia. Meus movimentos são os mesmos. Repetição. Mas na minha cabeça, as idéias de Morin me ferem: "não existe ciência da ciência; reorganizar o nosso sistema mental para reaprender a aprender; o único conhecimento que vale é o que se nutre da incerteza". A leitura me transforma em um gladiador pós-moderno. Com Edgar Morin, eu tenho o poder de contestar o quê e quem quiser. Serei o Zelig de Woody Allen. Quando falar com filósofos, direi que as teorias não conseguem descrever o universo indescritível. Em um círculo de cientistas anunciarei que eles estão errados porque desprezam o observador. Ainda poderei desafiá-los: onde está a ciência que estuda a ciência? Por favor, dê uma olhadinha na caixa de fósforos. Ela ainda é a mesma?
Novo parágrafo. Eu repito os mesmos movimentos. Digito idéias de Morin: "a escola da investigação é uma escola do luto; a ciência deve perder o respeito à ciência; a dúvida sobre a dúvida dá à dúvida uma dimensão nova, a dimensão da reflexidade". Chego à conclusão que estava entendendo tudo de forma errada, ou no mínimo, certa - desprezando as incertezas. O parágrafo anterior, em que falo sobre o poder de enfrentar filósofos e cientistas, deve ser esquecido. Na verdade - enquanto possível ser verdade qualquer coisa - Morin está dizendo que eu não tenho certezas, que os filósofos não têm certezas, que os cientistas não têm certezas e que ele mesmo é apenas incertezas . Morin nos dá a certeza da incerteza. A caixa de fósforos é apenas uma caixa de fósforos?
Já foram cento e quatorze linhas e ainda continuo no impasse. Meu artigo não é um artigo. Morin não é meu salvador. E eu sou o mesmo mas não sou o mesmo. O que quero dizer é que agora sou capaz de ver a linearidade da vida e não tê-la como único meio. Percebo a importância de não ter certezas e de duvidar de qualquer ato discursivo. Sei que a soma das partes não é o todo. Contudo, ainda caminho do mesmo jeito, continuo não acreditando em anjos e o meu despertador toca no mesmo horário. Pelo menos, posso rir baixinho de tudo isso. Ler Morin é admitir que tudo é como realmente não é. Meu não-artigo agora é um artigo e diz para você: "Leia Morin!". Ah! E a caixa de fósforos?
A caixa de fósforos, ou melhor, a imagem dela, surgiu quando li Morin pela primeira vez. Era como me senti no momento. Não eram os fósforos. Eu era a caixa, a embalagem. Os fósforos pelo menos têm uma utilidade. Eles têm certeza de sua ciência e sabem o seu destino: vão sair da pequena prisão e queimar, vão acender cigarros, fogões e velas, vão acender um junker e uma criança tomará banho quente por causa deles. Eles têm uma importância, um objetivo. Eu sou a caixa. Tenho inveja dos fósforos. Mas um anjo em que não acredito vem em nome de Morin e me diz: tente acender os fósforos sem a caixa.
